Sunday, October 5, 2008

Mezio/Soajo - 20080920

Vilar do Paraíso, dia 20 de Setembro, cinco e um quarto da manhã...
Toca o despertador.
Realizava-se, naquele sábado, mais uma caminhada dos Carolas, desta vez na região de Arcos de Valdevez e na qual eu havia confirmado a minha participação na 6.ª feira imediatamente anterior, ao findar da tarde, em telefonema para o Alfredo Paiva:
- "Vê lá se estás na Âmbar às sete e um quarto, para sairmos às sete e meia."
- "Sim, sim. Às sete e um quarto estou lá. Sem falta!"
Ah! Que soneira! Ainda me faltava, para além do trivial, arrumar a mochila e, principalmente, procurar umas confortabilíssimas meias grossas de cano alto de que nunca costumo separar-me nestas ocasiões...
Hã! Mais uma voltinha... Às cinco e meia deve chegar...
Quando voltei a olhar para o relógio, eram seis horas! Levantei-me a correr, fiz o que tinha a fazer e arranjei-me em tempo recorde (Não. Desta vez o raio das meias não apareceram, apesar dos dez longos e desesperantes minutos que investi na sua busca, pelo que tive de engendrar uma solução de recurso...), o que não impediu que, quando liguei o motor do jipe, fossem sete e meia...
Antevendo mais uma maratona em solitário, voltei a telefonar ao AP a dar conta da ocorrência e dirigi-me à Âmbar para apanhar o Armando e a Patrícia. Mas, quando lá cheguei, ainda não estavam lá todos, pelo que me limitei a aguardar mais um pouco para integrar a Caravana.
Chegados à A. S. de Viana do Castelo, foi com um certo ar de espanto que assinalamos a pressa do AP em desandarmos dali para fora quando mal havíamos (eu, o Armando e a Patrícia) acabado de degustar o cafèzinho (Sim, sim. É um acento grave...) matinal. É costume o pessoal "ficar a pastar" nas Áreas de Serviço ou seus equivalentes "rurais" durante cerca de meia hora e, daquela vez, mal tinham passado quinze minutos... Mas, enfim... é o stress.
Chegados ao Mezio, e depois da palestra habitual e de umas quantas fotografias a um dólmen existente junto ao local onde estacionámos as abóboras, demos início a mais esta caminhada. Às nove e cinquenta e nove em ponto.
A paisagem, desta vez, era espectacular, com dólmens, cavalos e espigueiros a espreitar aqui e ali, e sem a presença irritante das eólicas que, por vezes, nos acompanharam noutras jornadas, mas... onde é que estava o "denso bosque de carvalhos"?! Nem pó! Uns carvalhitos envergonhados aqui e ali... Os únicos sítios onde se podem ver ou, pelo menos, onde eu já vi, "densos bosques de carvalhos", é na região de Montalegre (É famoso, o avelar de Montalegre). Muitos, e densos, bosques de carvalhos que, apesar disso, constituem, apenas e infelizmente, os últimos fragmentos de um vasto carvalhal que, em tempos que já lá vão, cobria todo o Norte de Portugal, contribuindo para uma terra mais rica, quer em termos de solos, quer em termos de espécies animais, incluindo as cinegéticas.
Das 135 fotografias que tirei aproveitaram-se 105, uma das quais com a Rita descaradamente desfocada mas que eu decidi manter por traduzir uma ideia de movimento.
Após o final da caminhada eu, o Armando e a Patrícia resolvemos ir refrescar as goelas num pomposo "cyber café" existente no Soajo, perto do núcleo de espigueiros, ao lado da estrada. E alapamos os traseiros numa mesa perto do quintal do vizinho onde, ao fundo de umas escadas e com o último degrau a fazer de travesseira, repousava um representante da raça canina, com o rabo cortado. "Já viste aquele Dobermann?", pergunta o Armando apontando para o bicho. De facto, tinham cortado ao desgraçado não apenas o rabo, como também lhe tinham "aparado" as orelhas. "É. De facto parece. Mas a cabeça é de Pastor Alemão.", respondi eu, sabendo que a cabeça e o focinho dos Dobermann são bastante mais afilados do que os dos Pastor Alemão. Mas o corpo parecia de Dobermann. Para além disso, isto é, de estarmos a pôr em causa a genealogia daquele descendente dos lobos, íamos tecendo várias considerações àcerca da beleza e do sossego da vida no interior, algo de que até os animais pareciam saber usufruir...
Conversa chata, como já todos devem ter constatado. Tão chata que, passados poucos minutos, o cão levantou-se, olhou para nós com um ar meio esgazeado, resmungando qualquer coisa, um misto de rosnadela e de uivo, de raiva e desespero, e afastou-se uns quantos metros, voltando a deitar-se.
Teve azar! As pessoas acharam muita piada a algo que, na sua óptica canina, não tinha tido qualquer piada... pelo que a conversa continuou, agora subordinada a um novo tema: "O que é que o bicho estaria a pensar? Será que, de facto, estava a sentir-se incomodado por três outros mamíferos estarem a perturbar o seu sagrado descanso?"
Mais uns minutos de conversa e lá voltou ele a levantar-se, pesarosamente, para ir aninhar-se noutro local, desta vez no fundo do quintal, o mais possível afastado de nós, enterrando decididamente a cabeça no meio das patas e fechando os olhos tentando, inutilmente, voltar a passar pelas brasas.
Mas aquele não era, decididamente, um dia de cão. E como não havia meio de nos calarmos, passados mais alguns minutos ele voltou a levantar-se, passou por nós, sem olhar nem dizer coisa alguma, e subiu as escadas em direcção ao primeiro andar.
Não voltamos a vê-lo!
Uma palavra final para as minhas queridas companheiras destes últimos quatro anos de caminhadas, que me seguiram sempre, fielmente, e sem nunca atraiçoarem as minhas expectativas, para o Larouco, para o Gerês, para a Fonte Fria, para as Alturas, para o Barroso, para a Freita... e isto sem contar com as caminhadas que fiz integrado n'Os Carolas, nas quais tenho participado desde 6 Maio de 2006 (Percurso da Água / Ponte de Lima). Pois foi. Depois de cerca de 500 quilómetros de caminhada na minha companhia, as minhas botas, serenamente, "finaram-se". E o meu último desejo para elas é que lá, no Paraíso das Botas, continuem a caminhar eternamente, como sempre gostaram de fazer.
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